28 de setembro de 2015

O Homem em Busca de um Sentido

Viktor E. Frankl é um psicoterapeuta que sobreviveu a Auschwitz e que desenvolveu uma terapia mostrando que tudo pode ter um sentido, inclusive os momentos mais insuportáveis, como aconteceu com ele no campo de concentração.

“O Homem em Busca de um Sentido” foi escrito em 1946, mas já antes Frankl vinha desenvolvendo a sua teoria no âmbito da sua carreira profissional em Viena. A obra é dividida em duas partes: uma em que relata as experiências que viveu no campo de concentração, e outra em que apresenta sucintamente o seu método, a Logoterapia (do grego logos = sentido). “É, antes de mais, um livro sobre sobrevivência”.

Para começar, convém referir que Viktor E. Frankl teve possibilidade de ir para os Estados Unidos, mas deixou caducar o visto por não querer abandonar os pais à sua sorte na Áustria. Em 1942 acabou por ser deportado para um gueto e mais tarde enviado para Auschwitz.

O relato daqueles anos no campo de concentração é pungente e perturbador. Ficam sem roupa, vestem andrajos que passam de uns (que morrem ou vão para os campos de extermínio) para outros (os que vão sobrevivendo), dormem uns em cima dos outros, as refeições são uma côdea de pão e uma tigela de água a fazer a vez de sopa, fazem trabalhos forçados com os pés no gelo (as botas estão rotas), são maltratados pelos guardas (capos), nunca sabem como será o dia de seguinte. Mal-nutridos, doentes com tifo, são sujeitos até ao limite da resistência física e da dignidade humana, e alguns suicidam-se indo de encontro ao arame farpado electrificado.

Apesar de todas estas provações e da aleatoriedade dos acontecimentos, Frankl tenta encontrar um sentido para além daquilo tudo, algo que o mantenha vivo e lhe dê um objectivo para continuar a viver. Várias vezes cita estas palavras de Nietzsche: “aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo”.

“Quando examinamos a imensa quantidade de material reunido em resultado das observações e experiências de muitos prisioneiros, revelam-se claramente três fases das suas reacções mentais à vida no campo: o período a seguir à sua chegada; o período durante o qual estão bem integrados na rotina do campo; e o período a seguir à sua libertação.”

Há um sintoma que caracteriza cada uma destas fases:
- o período a seguir à sua chegada é marcado pelo choque. Muitos daqueles prisioneiros tinham boas vidas e boas profissões, eram reconhecidos pela sociedade.
- o período seguinte é “uma fase de relativa apatia, na qual alcançou uma espécie de morte emocional.” Este sentimento decorria também da fome e da falta de sono, tal como do tratamento que lhes era dado enquanto pessoas (Agora eram tratados como “completas não entidades”).
- a fase seguinte à libertação, a nível psicológico, pode chamar-se de despersonalização. “Tudo parecia irreal, improvável, como num sonho”. Durante o cativeiro, muitas vezes tinham sido enganados por sonhos, tal como as miragens no deserto.

Frankl conta situações de homens que resistiam interiormente, que até “iam de caserna em caserna para confortar os outros, oferecendo-lhes o último pedaço de pão.” Ou seja, ainda restava “a última das liberdades humanas – a possibilidade de escolhermos a nossa atitude em quaisquer circunstâncias, de escolhermos a nossa maneira de fazer as coisas.”
“É esta liberdade espiritual – que não pode ser-nos roubada – que torna a vida algo com sentido e finalidade.”

Mais adiante, refere: “O preso que perdesse a fé no futuro – o seu futuro – estava condenado. Ao perder a crença no futuro, perdia igualmente o controlo espiritual; deixava-se decair e ficava sujeito a um definhamento físico e mental.”
Enquanto esteve no campo de concentração, Frankl, sendo médico, foi chamado a auxiliar outros prisioneiros.

Na segunda parte do livro, é então explicada a logoterapia numa versão simplificada.
A logoterapia é uma psicoterapia focada no sentido e no futuro, isto é, “nos significados a serem preenchidos pelo paciente no seu futuro”, “centra-se no significado da existência humana, bem como na busca desse sentido por parte dos seres humanos”.

O homem, ao contrário dos outros animais, não vive em função dos instintos; pelo contrário, é capaz “de viver e até de morrer em nome dos seus valores e ideais!”

São vários os conceitos que Frankl desenvolve a partir desta terapia. Gostaria apenas de realçar que, através dela, Frankl não tenta encontrar um sentido abstracto e exterior para a vida de todos os homens – “o sentido da vida varia de pessoa para pessoa, de dia para dia e de hora para hora. O que importa, por isso, não é o sentido da vida em geral, mas antes o sentido específico da vida para uma pessoa num dado momento.”

“Em última instância, o Homem não deveria perguntar qual é o sentido da vida, mas antes reconhecer que é ele quem se vê interpelado. Numa palavra, cada pessoa é questionada pela vida; e à vida cada um pode apenas responder sendo responsável. Deste modo, a logoterapia encara a responsabilização como sendo a própria essência da existência humana.”

Para concluir, os dois parágrafos finais, muito fortes:
“Um ser humano não é uma coisa entre outras; as coisas determinam-se umas às outras, mas o Homem é, em última instância auto-determinado. Aquilo em que se transforma – nos limites do legado biológico e do meio ambiente – resulta da sua própria acção. Nos campos de concentração, por exemplo, nesse laboratório vivo e nesse campo de testes, pudemos ver e testemunhar como camaradas nossos se comportavam como porcos enquanto outros agiam como santos. O Homem tem ambas as capacidades dentro de si mesmo; qual deles é transformada em acto depende de decisões, mas não das condições.


A nossa geração é realista, pois acabou por conhecer o ser humano como realmente é. Afinal de contas, o Homem é esse ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; no entanto, é igualmente o ser que entrou nas câmaras de gás de cabeça erguida, com o Pai Nosso ou o Shema Yisrael nos lábios.”

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Referências
Autor: Viktor E. Frankl
Editora: Lua de Papel

18 de setembro de 2015

Acredita que é possível mudar o mundo?*

Ontem tive oportunidade de assistir a mais uma das Conversas que o Observador tem vindo a organizar mensalmente sobre vários assuntos. O tema desta vez foi a cidadania. O próximo será o Turismo, no dia 13 de Outubro, no CCB.

De seguida deixo o texto do Observador sobre essa Conversa, uma vez que tem tudo a ver com o espírito deste blogue.


O que têm em comum um licenciado em direito, um professor universitário, um padre, uma consultora fiscal e uma voluntária? A vontade de dar o seu tempo aos outros para construir um mundo melhor.

Quando olhamos para a cidadania através da participação política, talvez os portugueses não estejam assim tão ativos. Nas eleições legislativas de 2011 a taxa de abstenção foi de 41,10%. Nas europeias de maio do ano passado nem se fala. A taxa de abstenção em Portugal foi de 66,2%, o que representa a maior marca de sempre. Mas será que a cidadania apenas de faz de eleições e participação política? O Observador ouviu cinco histórias de quem, à sua maneira, tenta mudar o mundo.

Isabel Jonet: a voluntária

Formou-se em Economia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, mas desde 1993 que abraçou o voluntariado como forma de vida. Há 22 anos que está na linha da frente do Banco Alimentar Contra a Fome.

“Acredito que o voluntariado faz parte da cidadania ativa. Faz parte da minha forma de vida”, explica ao Observador. Tinha 14 anos quando se deu o 25 de abril. “Nessa altura fazíamos uma intervenção na sociedade de uma forma mais ligada à cidadania política. As pessoas devem participar na sociedade seja de que forma for”. E Isabel Jonet encontrou a sua forma de cidadania ativa tornando-se voluntária.

Para ela ser um bom cidadão é “acreditar que todos somos co-responsáveis pelo bem comum” e o que a motiva é “ter a certeza que contribui para mudar o meu mundo e o mundo à minha volta”.

E olhando para o mundo à volta, Isabel Jonet diz que vê uma sociedade bastante ativa. Por exemplo, quando o Banco Alimentar começou era só em Lisboa. Na altura havia cerca de “uma centena de voluntários”. Hoje o projeto cresceu, existem já 21 Bancos Alimentares em todo o país e o número de pessoas que dão o seu tempo a esta causa ultrapassa os 40 mil.

Por isso, Isabel Jonet acredita que existe uma cidadania “muito mais ativa do que os números oficiais revelam. Os números não espelham a realidade. Há muitas ações e projetos ligadas ao desporto, à deficiência, à proteção do ambiente, muita intervenção cívica, mas muitas vezes as pessoas não sabem identificar ou rotular isso como cidadania”.

Isabel Jonet acredita no poder do voluntariado e na educação para a cidadania. “Acho que as novas gerações estão mais despertas para a cidadania. Muitos alunos quando terminam a faculdade fazem um ano de voluntariado e já existem disciplinas de voluntariado. Houve uma grande evolução”, reconhece. E sublinha o papel dos Bancos Alimentares na forma como os jovens encaram o voluntariado. “Acredito que quando se desperta os jovens para a cidadania eles percebem que não é uma coisa complicada”, afirma. “Os jovens participam muito pela facilidade em que tem em fazê-lo, colaboram no armazém e nas recolhas. No Banco Alimentar sempre quisemos levar o voluntariado para as camadas mais jovens. Nos primeiros anos fiz centenas de palestras em escolas para levar esta ideia de voluntariado jovem. Para desafiar os jovens a participar. O Banco Alimentar é um dos projetos que mais mudou o voluntariado jovem em Portugal”.

Além do Banco Alimentar, tem outros projetos como a Entreajuda, lançado em 2004, que apoia várias instituições ao nível da organização e gestão, estabelecendo uma ponte entre quem quer dar e quem precisa de receber. Deste projeto nasceram outro como a Bolsa do Voluntariado, o Banco de Bens Doados ou o Banco de Equipamentos. Uma vida de voluntária bem ocupada, mas que ao final do dia faz valer a pena. A maior riqueza que leva para casa é “ter conseguido cruzar pessoas fantásticas que encontram o sentido das duas vidas — jovens, crianças, reformados. A maior riqueza é essa. Todos os dias encontrar pessoas ligadas pela mesma vontade de trabalhar para o bem-comum”.

Eu sou o presidente da junta

Estava a terminar a licenciatura em direito quando decidiu candidatar-se a presidente da junta de freguesia. Estávamos em 2009. Nascido e criado em Campolide, André Couto sentiu que era hora de fazer alguma coisa pela sua “terra”. “Dá-me prazer dar a cara em prol da comunidade. Quando me candidatei era muito novo – o mais novo do país – e o que mais me orgulhou é terem confiado em mim. É sentir que a população me adotou. Isso dá-me muito gosto e poder devolver a confiança que as pessoas depositaram em mim”.

Se em 2009 ganhou a junta por cerca de 30% dos votos, em 2013 dobrou a votação. Um sinal de confiança e de orgulho. André Couto credita ser possível estar na política sem objetivo de carreira e fala do seu exemplo: “Tenho licenciatura em direito, um MBA pelo ISCTE. Tenho uma carreira académica. Tive sempre o cuidado de nunca ser dependente da política”. Embora reconheça que há “muitas pessoas que estão na política e que não procuram alternativa”, André Couto diz ser “possível fazer um percurso independente. Cada um fazer um percurso próprio”.

Campolide tem uma população de cerca de 15 mil eleitores e cerca de 20 mil moradores, uma comunidade com características muito próprias. “É uma freguesia com problemas específicos. Tem de tudo. Zona nova com condomínios de classe alta, zona de classe média envelhecida e bairros sociais com população carenciada. Requer diferentes tipos de ação para diferentes tipos de públicos”.

Sempre que pode gosta de envolver a população nas decisões, promovendo pequenos referendos locais, como foi o caso da substituição de parte da calçada portuguesa na freguesia. Sobre esta questão André Couto deixa claro que “nunca esteve em causa a substituição integral. Foi uma questão de substituição em pontos específicos, zonas onde havia muitos acidentes. Também fizemos um referendo sobre o que fazer a um terreno baldio e a população escolheu um espaço verde em vez de um estacionamento”. É que nesta coisa de gerir a coisa pública o jovem autarca é assertivo: “Como gestor público tenho um orçamento limitado, e quando tenho dúvidas prefiro perguntar às pessoas porque são questões que dizem respeito às pessoas. Com isso estou a garantir que esse dinheiro é gasto naquilo que as pessoas decidem. As pessoas é que lá vivem e depois de eu sair serão elas a viver com as obras deixadas. Acho que é importante chamar as pessoas a decidir”.

Polémica à parte, o concurso para substituição do troço de calçada portuguesa vai ser lançado este ainda mês. As obras vão começar e André Couto garante que “até final do ano” a obra estará concluída. “Sou muito realista nas metas, embora haja coisas que não dependem de nós. Mas prometemos e vamos cumprir”.

Para ele a cidadania é isto: “é cada um de nós sair do sofá e assumir responsabilidades inerentes ao ser cidadão. Irmos mais além. Dá trabalho, mas é importante. Quantos mais tiverem imbuídos desse espírito mais a sociedade poderá melhorar.Muitas pessoas queixam-se dos políticos, mas ninguém tenta intervir politicamente. Se houvesse mais concorrência haveria melhores políticos. É mais fácil criticar do que agir.”

Por isso, o jovem presidente da junta de Campolide sempre que pode envolve a comunidade e, apesar de achar “que o direito ao voto tem sido desprezado”, considera que a comunidade em momentos cruciais une-se em prol de causas, como por exemplo no caso do projeto ZeroDesperdício ou mais recentemente, quando a Mesquita Central de Lisboa foi vandalizada após o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo, em janeiro deste ano. As comunidades católica, muçulmana e judaica de Lisboa juntaram-se numa oração contra o medo e o terrorismo. “Foi um exemplo de cidadania da comunidade de Campolide. Juntaram-se em oração nos três templos. Foi um exemplo de diálogo inter-religioso, que juntou grande parte da comunidade. Foi um exemplo de fraternidade e de apoio”.

Por isso, André Couto diz que esta “está a ser a grande experiência” da sua vida. Coisas que dão sentido à vida, como “entrar no supermercado para comprar pão e ficar lá 45 minutos a falar com as pessoas. Isto é política de proximidade. Conheci muitas pessoas durante estes anos. Essa a maior riqueza. Olhar para a minha terra e ver que obras que fizemos que eram necessárias e que estão realizadas. Criamos uma estrutura de ação social forte, combatemos o desperdício alimentar. Isso é o mais importante”.

Dar Cristo às pessoas e muito mais

Tem 42 anos anos e é páraco na Ramada, em Odivelas, vai para 10. Todos na comunidade conhecem o padre Arsénio Isidoro e com a ajuda da comunidade conseguiu erguer uma vasta obra. A localidade da Ramada é conhecida pelo seu centro comunitário paroquial, uma estrutura com 17 valências e mais de 900 utentes. Para ele a cidadania é “uma questão de identidade pessoal. É pôr em prática o amor ao próximo”. Trabalha sem descanso, na paróquia, no centro comunitário e noutros quatro instituições de apoio a crianças e jovens em risco.

Acredita que o “Evangelho não é falar, é fazer” e por isso dedica todo o seu tempo à comunidade. “Faço-o pelo olhar que tenho sobre a necessidade daqueles que estão à porta, daqueles que precisam de respostas. Pais que precisam de um sítio para deixar os seus filhos para puderem trabalhar, idosos que precisam de um espaço com apoio, pessoas com deficiências que precisam de respostas. Na Ramada não estão à margem, estão incluídas. Crianças e bebés abandonados, que precisam de cuidados de saúde, nós acolhemos. Somos uma família e juntos vamos contribuindo. É por isso que o faço. É imperativo”.

Acredita no amor ao próximo e vê a realidade que o envolve. Por isso, considera que os portugueses são cidadãos ativos. “Pela minha experiência vejo que os portugueses são gente de bem e de boa vontade. A cidadania dos portugueses é bastante ativa. As pessoas são muito solidárias e existe muita fraternidade para com o próximo”.
É preciso espírito de iniciativa e apelo constante. “Quando o apelo é constante e há iniciativas as pessoas são generosas. Na Ramada há um maior envolvimento da comunidade no querer fazer o bem. As pessoas estão mais ativas. Todas as pessoas são sensíveis ao sofrimento do mundo”.

Mais do que a fé, a cidadania é “tratar o outro como semelhante. Não tem a ver com a fé. A cidadania é pôr em prática o desejo do bem”. Acredita que “todos os seres humanos são bons” e que têm desejo de fazer o bem.

Diz ser preciso educar para a cidadania, “para uma cidadania de respeito e de construção pela diferença”. “A diferença é um enriquecimento para a minha fé e é um desafio para construir com o outro um mundo diferente. A diferença enriquece a humanidade”, considera o padre Arsénio.

Após uma década dedicada à Ramada, o padre Arsénio está de partida para a paróquia de Torres Vedras. Apesar de tudo o que já viu continua a acreditar na bondade do homem “no respeito pelo próximo, na bondade e que unidos vamos construir um mundo melhor”.

Sentir que faço a diferença

Desde cedo que teve consciência da importância de participar na sociedade e dar o seu contributo. Entrou para a Juventude Social Democrata aos 15 anos, porque sempre acreditou que era possível estar na política sem se servir dela. Vê na sociedade algum preconceito de que quem vai para a política é porque quer ter uma carreira. Margarida Balseiro Lopes mostra o outro lado e diz que “sempre esteve certo na minha cabeça, desde os 15 anos quando entrei, que a minha prioridade era acabar o meu curso com boa média, sem ajudas e ter uma carreira profissional separada da política”.

Terminou a licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa, com média de 15, e fez ainda o mestrado em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa. “Escolhi trabalhar numa multinacional. A política é um acrescento, não é um emprego. Sempre quis ser livre nas minhas decisões”.

Aos 25 anos é assessora fiscal na Ernst & Young Portugal, carreira que concilia com a secretária-geral da Juventude Social-democrata. É difícil conciliar as duas atividades, mas quem corre por gosto não cansa. “Durmo muito pouco. Sou presidente da JSD distrital de Leiria e secretária-geral nacional da JSD. Temos muitas reuniões, normalmente à segunda-feira. Isso obriga-me a sair de Lisboa por volta das 20h00 para estar em Leiria por volta das 21h30. Ter reuniões até às três da manhã, regressar a Lisboa e acordar às sete para ir trabalhar no outro dia. É preciso um grande esforço pessoal. Tenho de dormir menos”, conta a rir.

O que a motiva? “Ver as coisas a mudar. Contribuir para melhorar a vida dos outros”. E Margarida dá exemplos práticos. “A JSD teve há cerca de dois meses um papel muito importante na alteração ao Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo do Ensino Superior, e neste ano letivo que agora inicia haverá previsivelmente mais 5000 mil famílias que vão ser apoiadas. Isto é uma grande diferença na vida de imensa gente. Há três anos havia uma norma que suspendia a bolsa caso houvesse no agregado familiar dívidas contributivas ou tributárias. Havia jovens com bolsa em que os pais deixaram de pagar o IMI, por exemplo, e os alunos deixaram de poder ter capacidade para estudar. Estávamos em 2012. A JSD achou que era intolerável, porque consideramos que a educação é um elevador social e colocou-se ao lado das associações académicas e conseguimos junto do ministério da Educação e Ciência e do das Finanças que fosse revogada essa norma e os jovens voltaram a ter acesso à bolsa. Milhares de jovens puderam melhorar a sua vida. Mais recentemente fizemos alterações aos Estatutos das Ordens Profissionais, eliminando barreiras que dificultavam a milhares de jovens o acesso à profissão para a qual estudaram.”

São exemplos práticos como estes que fazem Margarida correr. Ajudar a “melhorar a vida dos outros, colocar o nosso tempo ao serviço dos outros”. Por isso, Margarida Balseiro Lopes acredita ser possível mudar a imagem que se tem hoje dos jovens políticos através do exemplo. “É preciso que a política tenha pessoas qualificadas, que deixem de funcionar apenas nas sedes dos partidos e venham para a rua, no sentido de se aproximarem das pessoas, das associações e coletividades. É preciso ir ao encontro da sociedade civil”.

Empreendedorismo social como veículo para a cidadania

Esteve 15 anos fora do país, primeiro nos Estados Unidos, naUniversidade de Stanford, e depois em França, no INSEAD, e veio em janeiro para Portugal liderar a estrutura de missão Portugal Inovação Social. No bolso trouxe toda a sua experiência internacional e no seu dia-a-dia tenta agir na sociedade através do “empreendedorismo social e através da educação”.

Acredita ser possível promover a cidadania através da responsabilidade social. “O conceito de responsabilidade social está em crescendo junto da sociedade e dos jovens. Por um lado a cidadania tem que ver com a questão dos direitos e dos deveres. Considero também útil pensar em termos de identidade, com o bairro onde se vive, com Portugal, com a Europa, e, por outro lado, em termos de responsabilidade, em relação a nós e aos outros. Quer seja através de uma intervenção mais política, mais cívica ou mais social”.

Daí que o empreendedorismo social possa ser uma ferramenta útil. “O empreendedorismo social é um pouco desenvolver essa responsabilidade em áreas em que as pessoas gostam mais ou se sentem mais apaixonadas – por exemplo na área dos jovens, dos idosos, depende de cada um, depende do público-alvo. Mas a ideia é identificar um problema, que nos leva a sentir vontade de agir, e que impulsiona o empreendedor social a promover mecanismos e ecossistemas para resolver determinados problemas”.

Filipe Santos sublinha que “empreender não é só criar empresas para darem lucro. É lançar iniciativas que mudam a vida dos outros. Noto que os jovens estão a envolver-se mais para encontrar respostas para determinados problemas na sociedade”.

E exemplos não faltam de cidadania ativa através do empreendedorismo social . Filipe Santos fala da Color Add, um projeto do empreendedor social Miguel Neiva. “Desenvolveu um código com base nas cores primárias para resolver o problema dos daltónicos. Este código permite que os daltónicos sejam incluídos pela cor”. Outro exemplo é o Mundo a Sorrir. “A cobertura de saúde oral pública era muito fraca” e então “um dentista preocupou-se com esta questão. Criou um projeto, com vários dentistas voluntários, encontrou parcerias com entidades que forneciam material gratuito e conseguiu montar uma rede de cuidados básicos de saúde oral quase gratuitos”.

E outro ainda, o projeto SPEAK. Uma ideia que nasceu em Leiria, já se espalhou pelo país, e que basicamente pretende incluir imigrantes através da língua. “É um projeto de inclusão pela língua, mas muito mais do que isso. Cria uma rede social de apoio, levando a que o imigrante encontre uma forma de se sentir incluído na sociedade. Já existem seis núcleos no país e a ideia é criar mais pólos. Para os refugiados que aí vêm é uma forma de os ajudar e incluir. Alia a inovação do modelo e dá um serviço que promove a interculturalidade”, explica Filipe Santos.

O presidente da Portugal Inovação Social acredita que é possível levar a sociedade a ser mais ativa. Isso “que passa por incutir nas pessoas a responsabilidade aliada à ação.Responsabilidade em relação aos outros e sempre que vejo que alguma coisa esta errada não basta estar a queixar-me. É preciso que as pessoas sejam agentes de mudança, que tenham a responsabilidade de fazer. Vou assumir o problema como meu e agir. É importante passar a mensagem de responsabilização de todos em áreas que cada um mais valoriza e se apaixona. Acho que desta forma as pessoas encontram o sentido da vida – encontram satisfação pessoal ao resolver problemas dos outros, problemas de todos”.

Acredita que o empreendedorismo social tem poder e por isso ajudou a escrever o “Manual para Transformar o Mundo”. Será que é possível mudar o mundo em 10 passos? “Se tiver o tema certo e conseguir encontrar uma solução inovadora – acho que pode mudar o mundo. É um desafio grande, mas há ferramentas que permitem resolver problemas e mudar o mundo. No livro dou os pequenos passos necessários para se implementar um projeto social com o qual se muda esse mundo”.

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Outro relato desta Conversa aqui: Exemplos que inspiram e fazem a diferença.

* título do Observador

15 de setembro de 2015

Índice Médio de Felicidade

O romance de David Machado (vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura 2015) é um percurso pelo caminho da esperança.

É o relato da vida de Daniel, pela voz do mesmo, quando a vida entra no plano inclinado: o desemprego, a mulher que vai para Viana do Castelo com os filhos, o amigo Xavier que vive fechado em casa, o amigo Almodôvar que está preso e a quem vai aparentemente contando os acontecimentos, o apoio que dá a Vasco (filho de Almodôvar), o trabalho/biscate que arranja numa farmácia, a perda da casa, o fogo no carro…

Este homem de 37 anos, que tinha um Plano (assim, em maiúsculas) para a sua vida, é fustigado página após página por todo o tipo de episódios e azares. E vai resistindo, vai mantendo a esperança, vai acreditando que o mundo não é tão mau como parece, vai tendo fé num futuro melhor.

O relato que Daniel faz da sua vida é envolto numa série de imprevistos que lhe vão condicionando a vida e afunilando as escolhas. Mas ele conserva a capacidade de acreditar que o futuro será melhor, “porque, sem futuro, o presente não faz sentido”.


Índice Médio de Felicidade é um dos romances mais interessantes que li nos últimos tempos, e que retrata os tempos de crise que vivemos. E embora a vida de Daniel seja uma sucessão de imprevistos, ele mantém uma notável resistência à frustração e não se deixa submergir pelas más notícias.

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Referências
Autor: David Machado
Editora: D. Quixote

13 de setembro de 2015

O óbvio que ignoramos

O que têm em comum pessoas como Gisele Bündchen, Silvester Stallone ou Elizabeth Gilbert? “Por que razão algumas pessoas parecem ter nascido para a sorte e o sucesso?”

É sobre esse “segredo” que Jacob Pétry, jornalista e filósofo brasileiro, se debruça em O Óbvio que Ignoramos. Ao longo de dez capítulos, Pétry vai apontando exemplos e desvendando o que permitiu a personalidades tão diversas terem sucesso.

Um dos aspectos focados é o talento, a manifestação de um talento natural. No caso de Gisele Bündchen, não é a simples beleza: “o segredo que está por detrás de toda a beleza é a manifestação natural de um talento genuíno desenvolvido ao ponto de atingir praticamente os limites da perfeição”. Ela conseguia encarnar papéis e expressar emoções de forma genuína, tanto na passerelle como frente aos fotógrafos, e isso destacou-a.

Em qualquer pessoa, o talento é a sua força maior, que não pode ser negligenciado. O talento é algo que vem de dentro, não pode ser incutido externamente. “Construir sobre o talento leva as pessoas a despertar a curiosidade e a paixão que trazem dentro de si e não há fonte de energia maior que essa”, refere Valdir Bündchen, pai da modelo.

Frequentemente acontece que há uma tentativa de elevar os pontos fracos e reduzir os fortes. O resultado é a mediania. Cada pessoa tem o seu talento, e esse é o seu combustível.

Laszlo Pulgar psicólogo e pedagogo húngaro, ao contrário do referido anteriormente, entendia que conseguia desenvolver a genialidade em qualquer criança. Casou, teve três filhas e tentou provar a sua teoria com elas, ensinando-as desde cedo a jogar xadrez. Elas de facto tornaram-se boas jogadoras, conseguiram vitórias consideráveis, mas nunca atingiram a excelência. E, com 20 anos, desistiram do projecto do pai. Faltava-lhes a chama do talento. “A disciplina, a técnica e o conhecimento tornam as pessoas melhores em qualquer área, mas nada compensa a falta de talento”.

Talento, aqui, é definido como “uma aptidão natural que possuímos para fazer alguma coisa com uma naturalidade superior relativamente à maior parte das outras pessoas”.


Jacob Pétry refere também o excesso de oportunidades como uma das causas principais do fracasso.

“Ao contrário do que pensamos, o maior responsável pela mediocridade na vida das pessoas e empresas não é a falta de oportunidades, mas o seu excesso. O excesso de oportunidades dissipa as nossas energias e divide os nossos pensamentos em tantos aspectos e em tantas direcções distintas que, ao invés de criarmos um foco seguro para nos fortalecer e servir de guia, tornamo-nos vítimas da dúvida, da insegurança e, consequentemente, da fraqueza”.
Daí a importância de um foco único, de um propósito exclusivo. Isso permite marcar um objectivo a atingir e traçar o caminho.

Entre vários exemplos, é apontado o caso dos Estados Unidos, surpreendidos em 1958 pelos soviéticos com o lançamento do primeiro satélite de história, o Sputnik. Em 1961, Kennedy, ao falar ao Congresso, definiu o que deveria ser o objectivo dos americanos: “antes do fim desta década, levar um homem à lua e fazê-lo regressar em segurança à Terra.” Esta meta implicou o desenvolvimento em larga escala das ciências e da engenharia. O objectivo, como sabemos, foi alcançado a 20 de Julho de 1969, muitos anos após JFK ter sido assassinado (Novembro de 1963).


A Lei da Tripla Convergência é mais um dos “segredos” desvendados neste livro e consiste no ponto em que se cruzam três factores: talento, paixão e dinheiro. “É o cumprimento dessa lei, ou não, no momento de definir o propósito, que fará toda a diferença”.
Talento, como já vimos, é a aptidão natural para fazer alguma coisa com uma naturalidade única. Paixão é algo que gostamos tanto que faríamos sem outra recompensa que não fosse o prazer de fazê-lo. Dinheiro será a consequência da oferta de um serviço no qual se juntem o talento e a paixão, e decorre do sucesso.
A resposta a estas três perguntas é o cerne desta lei:
- qual é o seu talento?
- qual é a sua paixão?
- como irá transformá-lo em dinheiro?



Um outro aspecto que o autor refere é a importância da primeira milha, que tem a ver com o primeiro troço do caminho e com a energia necessária para esse arranque, como acontece com o lançamento dos foguetões. É o primeiro impulso, o arranque.
Tal como um foguetão, “a descolagem da vida exige imensa energia. Primeiro, porque precisamos romper a gravidade que nos rodeia, temos de sair da zona de conforto. Segundo, carregamos todo o peso do talento bruto, muitas vezes irreconhecível aos olhos do mundo. E, mesmo que tenhamos um talento notável e um propósito definido de forma objectiva, há uma série de outras componentes necessárias. Só conseguiremos assimilar essas componentes ao longo do caminho.”


O último “segredo” que vou referir é o poder das convicções. Jacob Pétry dá a seguinte definição: “uma convicção é a certeza obtida por factos ou razões que não deixam dúvida e nem dão lugar a objecção. Essa opinião determinada forma um modelo, um padrão, uma persuasão íntima que passa a fazer parte dos princípios que conduzem as nossas acções. Elas são o piloto automático que dirige as nossas vidas”.
Em poucas palavras, somos o resultado das nossas convicções. Logo, para obter resultados diferentes é necessária uma mudança de convicções. Sem isto, não importam outros aspectos como o esforço, a disciplina ou outras virtudes, uma vez que há uma diferente percepção interior, uma sabotagem interna.


Jacob Pétry realça ainda outros elementos importantes para o sucesso, nomeadamente o paradoxo da inteligência (pessoas simples alcançam mais resultados que muitos sobredotados), os anos de silêncio (ou seja, os anos de preparação antes de alcançar o sucesso), ou a importância do foco, do tempo e o problema do sentido (ou seja, para onde direccionamos a nossa atenção).

É um livro para ter à cabeceira, para folhear com frequência e reler os muitos sublinhados que lá ficaram.



Na mesma linha deste texto, ler: Sucesso: existe uma fórmula mágica?


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Referências
Autor: Jacob Pétry
Editora: Estrela Polar


4 de setembro de 2015

Aparentes acasos decisivos

Foi nos idos de 2012 que li Outliers, de Malcolm Gladwell. 
E valeu a pena! 
Malcolm Gladwell, de uma forma simples, convincente e sedutora, apresenta os motivos porque muitos têm sucesso e outros não. Mas não se pense que esta explicação é um tratado maçador de sociologia. Trata-se, isso sim, de um conjunto de casos concretos, muitos conhecidos de todos nós, que são a base para a tese apresentada pelo autor. Frequentemente todos atribuímos o sucesso à personalidade rara de quem tem sucesso. Mas há muito mais além disso. 
Antes de mais, há a oportunidade. Quem tem sucesso, alcança-o por ter tido uma oportunidade. E esta oportunidade, muitas vezes, é fruto de circunstâncias alheias à pessoa. Os Beatles, Bill Gates, bons jogadores de futebol, a que devem o seu sucesso? 
Há a circunstância das 10 mil horas de treino; há o facto de se ter nascido num determinado mês do ano; há a contingência de ter tido quem pudesse oferecer um computador numa dada época; há o ser judeu; há o ser especializado numa área que, de repente, se torna fulcral… “Dispõem de uma oportunidade que não mereceram nem conquistaram. E essa oportunidade desempenhou um papel crucial no sucesso deles.” 
Além de vidas mais ou menos famosas, Gladwell foca situações de pessoas comuns que conseguiram. E outras que, apesar de todos os esforços, não chegaram lá. Por exemplo, famílias cujos pais foram apanhados pela crise do início do séc. XX, e não conseguiram evoluir. Mas cujos filhos, por terem nascido alguns anos depois, apanharam a onda do crescimento económico que lhes permitiu singrar. “O sucesso não é um fenómeno fortuito. Emerge de um conjunto previsível e poderoso de circunstâncias e oportunidades”, que uns tiveram e outros não. E uma variável para este fatalismo é apenas o ano de nascimento. Além das oportunidades, Gladwell escreve sobre a importância do legado. E nesta parte do livro disseca o motivo de haver países com mais acidentes de aviação que outros, países com mais predisposição para a matemática que outros… Nada é por acaso. 

Nesta segunda parte, o autor alonga-se, por exemplo, nos motivos porque estudantes do mesmo ano têm resultados tão díspares. Terá a ver com a proveniência social? Com o tempo de estudo? Com a duração do ano lectivo? Achei esta parte muito interessante, atendendo aos resultados que Portugal costuma apresentar nestas matérias. 

Realço algumas das frases que ajudam a perceber o sentido das teses de Gladwell:
- "A prática não é o que se faz quando se é bom. É o que se faz para nos tornarmos bons."
- "O sentido de possibilidade tão necessário não vem só de dentro de nós ou dos nossos pais. Vem do nosso tempo: das oportunidades particulares que o nosso lugar particular na história nos oferece."

Se folheado o livro parece assustador, com tabelas, listas e gráficos, não o é de facto. É um livro muito útil, curioso, empolgante, questionador. É daqueles em que se aprende mesmo alguma coisa.

Aproveitando o que li e aprendi neste livro, e olhando para alguns factos da minha vida, consigo encaixar o puzzle que me permitiu estar onde estou e ser quem sou hoje. Situações aparentemente sem importância, mas que funcionaram como agulhas no percurso seguido, tal como num caminho-de-ferro. Se me debruçar com mais atenção, certamente irei encontrar muitos pontos que se enquadram naquilo que Malcolm Gladwell chama de "oportunidade" e de "legado".

Esta eu não sabia: "porque são redondas as tampas dos poços?"
"A resposta é que uma tampa não pode cair pelo buraco, por mais que se tente fazê-la passar. Uma tampa rectangular podia cair, bastaria pô-la em posição vertical ou oblíqua."
Vá, já podem concorrer à Microsoft...

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Referências
Livro: Outliers
Autor: Malcolm Gladwell
Editora: D. Quixote