18 de setembro de 2015

Acredita que é possível mudar o mundo?*

Ontem tive oportunidade de assistir a mais uma das Conversas que o Observador tem vindo a organizar mensalmente sobre vários assuntos. O tema desta vez foi a cidadania. O próximo será o Turismo, no dia 13 de Outubro, no CCB.

De seguida deixo o texto do Observador sobre essa Conversa, uma vez que tem tudo a ver com o espírito deste blogue.


O que têm em comum um licenciado em direito, um professor universitário, um padre, uma consultora fiscal e uma voluntária? A vontade de dar o seu tempo aos outros para construir um mundo melhor.

Quando olhamos para a cidadania através da participação política, talvez os portugueses não estejam assim tão ativos. Nas eleições legislativas de 2011 a taxa de abstenção foi de 41,10%. Nas europeias de maio do ano passado nem se fala. A taxa de abstenção em Portugal foi de 66,2%, o que representa a maior marca de sempre. Mas será que a cidadania apenas de faz de eleições e participação política? O Observador ouviu cinco histórias de quem, à sua maneira, tenta mudar o mundo.

Isabel Jonet: a voluntária

Formou-se em Economia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, mas desde 1993 que abraçou o voluntariado como forma de vida. Há 22 anos que está na linha da frente do Banco Alimentar Contra a Fome.

“Acredito que o voluntariado faz parte da cidadania ativa. Faz parte da minha forma de vida”, explica ao Observador. Tinha 14 anos quando se deu o 25 de abril. “Nessa altura fazíamos uma intervenção na sociedade de uma forma mais ligada à cidadania política. As pessoas devem participar na sociedade seja de que forma for”. E Isabel Jonet encontrou a sua forma de cidadania ativa tornando-se voluntária.

Para ela ser um bom cidadão é “acreditar que todos somos co-responsáveis pelo bem comum” e o que a motiva é “ter a certeza que contribui para mudar o meu mundo e o mundo à minha volta”.

E olhando para o mundo à volta, Isabel Jonet diz que vê uma sociedade bastante ativa. Por exemplo, quando o Banco Alimentar começou era só em Lisboa. Na altura havia cerca de “uma centena de voluntários”. Hoje o projeto cresceu, existem já 21 Bancos Alimentares em todo o país e o número de pessoas que dão o seu tempo a esta causa ultrapassa os 40 mil.

Por isso, Isabel Jonet acredita que existe uma cidadania “muito mais ativa do que os números oficiais revelam. Os números não espelham a realidade. Há muitas ações e projetos ligadas ao desporto, à deficiência, à proteção do ambiente, muita intervenção cívica, mas muitas vezes as pessoas não sabem identificar ou rotular isso como cidadania”.

Isabel Jonet acredita no poder do voluntariado e na educação para a cidadania. “Acho que as novas gerações estão mais despertas para a cidadania. Muitos alunos quando terminam a faculdade fazem um ano de voluntariado e já existem disciplinas de voluntariado. Houve uma grande evolução”, reconhece. E sublinha o papel dos Bancos Alimentares na forma como os jovens encaram o voluntariado. “Acredito que quando se desperta os jovens para a cidadania eles percebem que não é uma coisa complicada”, afirma. “Os jovens participam muito pela facilidade em que tem em fazê-lo, colaboram no armazém e nas recolhas. No Banco Alimentar sempre quisemos levar o voluntariado para as camadas mais jovens. Nos primeiros anos fiz centenas de palestras em escolas para levar esta ideia de voluntariado jovem. Para desafiar os jovens a participar. O Banco Alimentar é um dos projetos que mais mudou o voluntariado jovem em Portugal”.

Além do Banco Alimentar, tem outros projetos como a Entreajuda, lançado em 2004, que apoia várias instituições ao nível da organização e gestão, estabelecendo uma ponte entre quem quer dar e quem precisa de receber. Deste projeto nasceram outro como a Bolsa do Voluntariado, o Banco de Bens Doados ou o Banco de Equipamentos. Uma vida de voluntária bem ocupada, mas que ao final do dia faz valer a pena. A maior riqueza que leva para casa é “ter conseguido cruzar pessoas fantásticas que encontram o sentido das duas vidas — jovens, crianças, reformados. A maior riqueza é essa. Todos os dias encontrar pessoas ligadas pela mesma vontade de trabalhar para o bem-comum”.

Eu sou o presidente da junta

Estava a terminar a licenciatura em direito quando decidiu candidatar-se a presidente da junta de freguesia. Estávamos em 2009. Nascido e criado em Campolide, André Couto sentiu que era hora de fazer alguma coisa pela sua “terra”. “Dá-me prazer dar a cara em prol da comunidade. Quando me candidatei era muito novo – o mais novo do país – e o que mais me orgulhou é terem confiado em mim. É sentir que a população me adotou. Isso dá-me muito gosto e poder devolver a confiança que as pessoas depositaram em mim”.

Se em 2009 ganhou a junta por cerca de 30% dos votos, em 2013 dobrou a votação. Um sinal de confiança e de orgulho. André Couto credita ser possível estar na política sem objetivo de carreira e fala do seu exemplo: “Tenho licenciatura em direito, um MBA pelo ISCTE. Tenho uma carreira académica. Tive sempre o cuidado de nunca ser dependente da política”. Embora reconheça que há “muitas pessoas que estão na política e que não procuram alternativa”, André Couto diz ser “possível fazer um percurso independente. Cada um fazer um percurso próprio”.

Campolide tem uma população de cerca de 15 mil eleitores e cerca de 20 mil moradores, uma comunidade com características muito próprias. “É uma freguesia com problemas específicos. Tem de tudo. Zona nova com condomínios de classe alta, zona de classe média envelhecida e bairros sociais com população carenciada. Requer diferentes tipos de ação para diferentes tipos de públicos”.

Sempre que pode gosta de envolver a população nas decisões, promovendo pequenos referendos locais, como foi o caso da substituição de parte da calçada portuguesa na freguesia. Sobre esta questão André Couto deixa claro que “nunca esteve em causa a substituição integral. Foi uma questão de substituição em pontos específicos, zonas onde havia muitos acidentes. Também fizemos um referendo sobre o que fazer a um terreno baldio e a população escolheu um espaço verde em vez de um estacionamento”. É que nesta coisa de gerir a coisa pública o jovem autarca é assertivo: “Como gestor público tenho um orçamento limitado, e quando tenho dúvidas prefiro perguntar às pessoas porque são questões que dizem respeito às pessoas. Com isso estou a garantir que esse dinheiro é gasto naquilo que as pessoas decidem. As pessoas é que lá vivem e depois de eu sair serão elas a viver com as obras deixadas. Acho que é importante chamar as pessoas a decidir”.

Polémica à parte, o concurso para substituição do troço de calçada portuguesa vai ser lançado este ainda mês. As obras vão começar e André Couto garante que “até final do ano” a obra estará concluída. “Sou muito realista nas metas, embora haja coisas que não dependem de nós. Mas prometemos e vamos cumprir”.

Para ele a cidadania é isto: “é cada um de nós sair do sofá e assumir responsabilidades inerentes ao ser cidadão. Irmos mais além. Dá trabalho, mas é importante. Quantos mais tiverem imbuídos desse espírito mais a sociedade poderá melhorar.Muitas pessoas queixam-se dos políticos, mas ninguém tenta intervir politicamente. Se houvesse mais concorrência haveria melhores políticos. É mais fácil criticar do que agir.”

Por isso, o jovem presidente da junta de Campolide sempre que pode envolve a comunidade e, apesar de achar “que o direito ao voto tem sido desprezado”, considera que a comunidade em momentos cruciais une-se em prol de causas, como por exemplo no caso do projeto ZeroDesperdício ou mais recentemente, quando a Mesquita Central de Lisboa foi vandalizada após o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo, em janeiro deste ano. As comunidades católica, muçulmana e judaica de Lisboa juntaram-se numa oração contra o medo e o terrorismo. “Foi um exemplo de cidadania da comunidade de Campolide. Juntaram-se em oração nos três templos. Foi um exemplo de diálogo inter-religioso, que juntou grande parte da comunidade. Foi um exemplo de fraternidade e de apoio”.

Por isso, André Couto diz que esta “está a ser a grande experiência” da sua vida. Coisas que dão sentido à vida, como “entrar no supermercado para comprar pão e ficar lá 45 minutos a falar com as pessoas. Isto é política de proximidade. Conheci muitas pessoas durante estes anos. Essa a maior riqueza. Olhar para a minha terra e ver que obras que fizemos que eram necessárias e que estão realizadas. Criamos uma estrutura de ação social forte, combatemos o desperdício alimentar. Isso é o mais importante”.

Dar Cristo às pessoas e muito mais

Tem 42 anos anos e é páraco na Ramada, em Odivelas, vai para 10. Todos na comunidade conhecem o padre Arsénio Isidoro e com a ajuda da comunidade conseguiu erguer uma vasta obra. A localidade da Ramada é conhecida pelo seu centro comunitário paroquial, uma estrutura com 17 valências e mais de 900 utentes. Para ele a cidadania é “uma questão de identidade pessoal. É pôr em prática o amor ao próximo”. Trabalha sem descanso, na paróquia, no centro comunitário e noutros quatro instituições de apoio a crianças e jovens em risco.

Acredita que o “Evangelho não é falar, é fazer” e por isso dedica todo o seu tempo à comunidade. “Faço-o pelo olhar que tenho sobre a necessidade daqueles que estão à porta, daqueles que precisam de respostas. Pais que precisam de um sítio para deixar os seus filhos para puderem trabalhar, idosos que precisam de um espaço com apoio, pessoas com deficiências que precisam de respostas. Na Ramada não estão à margem, estão incluídas. Crianças e bebés abandonados, que precisam de cuidados de saúde, nós acolhemos. Somos uma família e juntos vamos contribuindo. É por isso que o faço. É imperativo”.

Acredita no amor ao próximo e vê a realidade que o envolve. Por isso, considera que os portugueses são cidadãos ativos. “Pela minha experiência vejo que os portugueses são gente de bem e de boa vontade. A cidadania dos portugueses é bastante ativa. As pessoas são muito solidárias e existe muita fraternidade para com o próximo”.
É preciso espírito de iniciativa e apelo constante. “Quando o apelo é constante e há iniciativas as pessoas são generosas. Na Ramada há um maior envolvimento da comunidade no querer fazer o bem. As pessoas estão mais ativas. Todas as pessoas são sensíveis ao sofrimento do mundo”.

Mais do que a fé, a cidadania é “tratar o outro como semelhante. Não tem a ver com a fé. A cidadania é pôr em prática o desejo do bem”. Acredita que “todos os seres humanos são bons” e que têm desejo de fazer o bem.

Diz ser preciso educar para a cidadania, “para uma cidadania de respeito e de construção pela diferença”. “A diferença é um enriquecimento para a minha fé e é um desafio para construir com o outro um mundo diferente. A diferença enriquece a humanidade”, considera o padre Arsénio.

Após uma década dedicada à Ramada, o padre Arsénio está de partida para a paróquia de Torres Vedras. Apesar de tudo o que já viu continua a acreditar na bondade do homem “no respeito pelo próximo, na bondade e que unidos vamos construir um mundo melhor”.

Sentir que faço a diferença

Desde cedo que teve consciência da importância de participar na sociedade e dar o seu contributo. Entrou para a Juventude Social Democrata aos 15 anos, porque sempre acreditou que era possível estar na política sem se servir dela. Vê na sociedade algum preconceito de que quem vai para a política é porque quer ter uma carreira. Margarida Balseiro Lopes mostra o outro lado e diz que “sempre esteve certo na minha cabeça, desde os 15 anos quando entrei, que a minha prioridade era acabar o meu curso com boa média, sem ajudas e ter uma carreira profissional separada da política”.

Terminou a licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa, com média de 15, e fez ainda o mestrado em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa. “Escolhi trabalhar numa multinacional. A política é um acrescento, não é um emprego. Sempre quis ser livre nas minhas decisões”.

Aos 25 anos é assessora fiscal na Ernst & Young Portugal, carreira que concilia com a secretária-geral da Juventude Social-democrata. É difícil conciliar as duas atividades, mas quem corre por gosto não cansa. “Durmo muito pouco. Sou presidente da JSD distrital de Leiria e secretária-geral nacional da JSD. Temos muitas reuniões, normalmente à segunda-feira. Isso obriga-me a sair de Lisboa por volta das 20h00 para estar em Leiria por volta das 21h30. Ter reuniões até às três da manhã, regressar a Lisboa e acordar às sete para ir trabalhar no outro dia. É preciso um grande esforço pessoal. Tenho de dormir menos”, conta a rir.

O que a motiva? “Ver as coisas a mudar. Contribuir para melhorar a vida dos outros”. E Margarida dá exemplos práticos. “A JSD teve há cerca de dois meses um papel muito importante na alteração ao Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo do Ensino Superior, e neste ano letivo que agora inicia haverá previsivelmente mais 5000 mil famílias que vão ser apoiadas. Isto é uma grande diferença na vida de imensa gente. Há três anos havia uma norma que suspendia a bolsa caso houvesse no agregado familiar dívidas contributivas ou tributárias. Havia jovens com bolsa em que os pais deixaram de pagar o IMI, por exemplo, e os alunos deixaram de poder ter capacidade para estudar. Estávamos em 2012. A JSD achou que era intolerável, porque consideramos que a educação é um elevador social e colocou-se ao lado das associações académicas e conseguimos junto do ministério da Educação e Ciência e do das Finanças que fosse revogada essa norma e os jovens voltaram a ter acesso à bolsa. Milhares de jovens puderam melhorar a sua vida. Mais recentemente fizemos alterações aos Estatutos das Ordens Profissionais, eliminando barreiras que dificultavam a milhares de jovens o acesso à profissão para a qual estudaram.”

São exemplos práticos como estes que fazem Margarida correr. Ajudar a “melhorar a vida dos outros, colocar o nosso tempo ao serviço dos outros”. Por isso, Margarida Balseiro Lopes acredita ser possível mudar a imagem que se tem hoje dos jovens políticos através do exemplo. “É preciso que a política tenha pessoas qualificadas, que deixem de funcionar apenas nas sedes dos partidos e venham para a rua, no sentido de se aproximarem das pessoas, das associações e coletividades. É preciso ir ao encontro da sociedade civil”.

Empreendedorismo social como veículo para a cidadania

Esteve 15 anos fora do país, primeiro nos Estados Unidos, naUniversidade de Stanford, e depois em França, no INSEAD, e veio em janeiro para Portugal liderar a estrutura de missão Portugal Inovação Social. No bolso trouxe toda a sua experiência internacional e no seu dia-a-dia tenta agir na sociedade através do “empreendedorismo social e através da educação”.

Acredita ser possível promover a cidadania através da responsabilidade social. “O conceito de responsabilidade social está em crescendo junto da sociedade e dos jovens. Por um lado a cidadania tem que ver com a questão dos direitos e dos deveres. Considero também útil pensar em termos de identidade, com o bairro onde se vive, com Portugal, com a Europa, e, por outro lado, em termos de responsabilidade, em relação a nós e aos outros. Quer seja através de uma intervenção mais política, mais cívica ou mais social”.

Daí que o empreendedorismo social possa ser uma ferramenta útil. “O empreendedorismo social é um pouco desenvolver essa responsabilidade em áreas em que as pessoas gostam mais ou se sentem mais apaixonadas – por exemplo na área dos jovens, dos idosos, depende de cada um, depende do público-alvo. Mas a ideia é identificar um problema, que nos leva a sentir vontade de agir, e que impulsiona o empreendedor social a promover mecanismos e ecossistemas para resolver determinados problemas”.

Filipe Santos sublinha que “empreender não é só criar empresas para darem lucro. É lançar iniciativas que mudam a vida dos outros. Noto que os jovens estão a envolver-se mais para encontrar respostas para determinados problemas na sociedade”.

E exemplos não faltam de cidadania ativa através do empreendedorismo social . Filipe Santos fala da Color Add, um projeto do empreendedor social Miguel Neiva. “Desenvolveu um código com base nas cores primárias para resolver o problema dos daltónicos. Este código permite que os daltónicos sejam incluídos pela cor”. Outro exemplo é o Mundo a Sorrir. “A cobertura de saúde oral pública era muito fraca” e então “um dentista preocupou-se com esta questão. Criou um projeto, com vários dentistas voluntários, encontrou parcerias com entidades que forneciam material gratuito e conseguiu montar uma rede de cuidados básicos de saúde oral quase gratuitos”.

E outro ainda, o projeto SPEAK. Uma ideia que nasceu em Leiria, já se espalhou pelo país, e que basicamente pretende incluir imigrantes através da língua. “É um projeto de inclusão pela língua, mas muito mais do que isso. Cria uma rede social de apoio, levando a que o imigrante encontre uma forma de se sentir incluído na sociedade. Já existem seis núcleos no país e a ideia é criar mais pólos. Para os refugiados que aí vêm é uma forma de os ajudar e incluir. Alia a inovação do modelo e dá um serviço que promove a interculturalidade”, explica Filipe Santos.

O presidente da Portugal Inovação Social acredita que é possível levar a sociedade a ser mais ativa. Isso “que passa por incutir nas pessoas a responsabilidade aliada à ação.Responsabilidade em relação aos outros e sempre que vejo que alguma coisa esta errada não basta estar a queixar-me. É preciso que as pessoas sejam agentes de mudança, que tenham a responsabilidade de fazer. Vou assumir o problema como meu e agir. É importante passar a mensagem de responsabilização de todos em áreas que cada um mais valoriza e se apaixona. Acho que desta forma as pessoas encontram o sentido da vida – encontram satisfação pessoal ao resolver problemas dos outros, problemas de todos”.

Acredita que o empreendedorismo social tem poder e por isso ajudou a escrever o “Manual para Transformar o Mundo”. Será que é possível mudar o mundo em 10 passos? “Se tiver o tema certo e conseguir encontrar uma solução inovadora – acho que pode mudar o mundo. É um desafio grande, mas há ferramentas que permitem resolver problemas e mudar o mundo. No livro dou os pequenos passos necessários para se implementar um projeto social com o qual se muda esse mundo”.

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Outro relato desta Conversa aqui: Exemplos que inspiram e fazem a diferença.

* título do Observador

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