28 de setembro de 2015

O Homem em Busca de um Sentido

Viktor E. Frankl é um psicoterapeuta que sobreviveu a Auschwitz e que desenvolveu uma terapia mostrando que tudo pode ter um sentido, inclusive os momentos mais insuportáveis, como aconteceu com ele no campo de concentração.

“O Homem em Busca de um Sentido” foi escrito em 1946, mas já antes Frankl vinha desenvolvendo a sua teoria no âmbito da sua carreira profissional em Viena. A obra é dividida em duas partes: uma em que relata as experiências que viveu no campo de concentração, e outra em que apresenta sucintamente o seu método, a Logoterapia (do grego logos = sentido). “É, antes de mais, um livro sobre sobrevivência”.

Para começar, convém referir que Viktor E. Frankl teve possibilidade de ir para os Estados Unidos, mas deixou caducar o visto por não querer abandonar os pais à sua sorte na Áustria. Em 1942 acabou por ser deportado para um gueto e mais tarde enviado para Auschwitz.

O relato daqueles anos no campo de concentração é pungente e perturbador. Ficam sem roupa, vestem andrajos que passam de uns (que morrem ou vão para os campos de extermínio) para outros (os que vão sobrevivendo), dormem uns em cima dos outros, as refeições são uma côdea de pão e uma tigela de água a fazer a vez de sopa, fazem trabalhos forçados com os pés no gelo (as botas estão rotas), são maltratados pelos guardas (capos), nunca sabem como será o dia de seguinte. Mal-nutridos, doentes com tifo, são sujeitos até ao limite da resistência física e da dignidade humana, e alguns suicidam-se indo de encontro ao arame farpado electrificado.

Apesar de todas estas provações e da aleatoriedade dos acontecimentos, Frankl tenta encontrar um sentido para além daquilo tudo, algo que o mantenha vivo e lhe dê um objectivo para continuar a viver. Várias vezes cita estas palavras de Nietzsche: “aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo”.

“Quando examinamos a imensa quantidade de material reunido em resultado das observações e experiências de muitos prisioneiros, revelam-se claramente três fases das suas reacções mentais à vida no campo: o período a seguir à sua chegada; o período durante o qual estão bem integrados na rotina do campo; e o período a seguir à sua libertação.”

Há um sintoma que caracteriza cada uma destas fases:
- o período a seguir à sua chegada é marcado pelo choque. Muitos daqueles prisioneiros tinham boas vidas e boas profissões, eram reconhecidos pela sociedade.
- o período seguinte é “uma fase de relativa apatia, na qual alcançou uma espécie de morte emocional.” Este sentimento decorria também da fome e da falta de sono, tal como do tratamento que lhes era dado enquanto pessoas (Agora eram tratados como “completas não entidades”).
- a fase seguinte à libertação, a nível psicológico, pode chamar-se de despersonalização. “Tudo parecia irreal, improvável, como num sonho”. Durante o cativeiro, muitas vezes tinham sido enganados por sonhos, tal como as miragens no deserto.

Frankl conta situações de homens que resistiam interiormente, que até “iam de caserna em caserna para confortar os outros, oferecendo-lhes o último pedaço de pão.” Ou seja, ainda restava “a última das liberdades humanas – a possibilidade de escolhermos a nossa atitude em quaisquer circunstâncias, de escolhermos a nossa maneira de fazer as coisas.”
“É esta liberdade espiritual – que não pode ser-nos roubada – que torna a vida algo com sentido e finalidade.”

Mais adiante, refere: “O preso que perdesse a fé no futuro – o seu futuro – estava condenado. Ao perder a crença no futuro, perdia igualmente o controlo espiritual; deixava-se decair e ficava sujeito a um definhamento físico e mental.”
Enquanto esteve no campo de concentração, Frankl, sendo médico, foi chamado a auxiliar outros prisioneiros.

Na segunda parte do livro, é então explicada a logoterapia numa versão simplificada.
A logoterapia é uma psicoterapia focada no sentido e no futuro, isto é, “nos significados a serem preenchidos pelo paciente no seu futuro”, “centra-se no significado da existência humana, bem como na busca desse sentido por parte dos seres humanos”.

O homem, ao contrário dos outros animais, não vive em função dos instintos; pelo contrário, é capaz “de viver e até de morrer em nome dos seus valores e ideais!”

São vários os conceitos que Frankl desenvolve a partir desta terapia. Gostaria apenas de realçar que, através dela, Frankl não tenta encontrar um sentido abstracto e exterior para a vida de todos os homens – “o sentido da vida varia de pessoa para pessoa, de dia para dia e de hora para hora. O que importa, por isso, não é o sentido da vida em geral, mas antes o sentido específico da vida para uma pessoa num dado momento.”

“Em última instância, o Homem não deveria perguntar qual é o sentido da vida, mas antes reconhecer que é ele quem se vê interpelado. Numa palavra, cada pessoa é questionada pela vida; e à vida cada um pode apenas responder sendo responsável. Deste modo, a logoterapia encara a responsabilização como sendo a própria essência da existência humana.”

Para concluir, os dois parágrafos finais, muito fortes:
“Um ser humano não é uma coisa entre outras; as coisas determinam-se umas às outras, mas o Homem é, em última instância auto-determinado. Aquilo em que se transforma – nos limites do legado biológico e do meio ambiente – resulta da sua própria acção. Nos campos de concentração, por exemplo, nesse laboratório vivo e nesse campo de testes, pudemos ver e testemunhar como camaradas nossos se comportavam como porcos enquanto outros agiam como santos. O Homem tem ambas as capacidades dentro de si mesmo; qual deles é transformada em acto depende de decisões, mas não das condições.


A nossa geração é realista, pois acabou por conhecer o ser humano como realmente é. Afinal de contas, o Homem é esse ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; no entanto, é igualmente o ser que entrou nas câmaras de gás de cabeça erguida, com o Pai Nosso ou o Shema Yisrael nos lábios.”

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Referências
Autor: Viktor E. Frankl
Editora: Lua de Papel

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